Conto - A Mais Longa Noite.





Infanatoca
Si temi more regat
Impela sentra demon’era
Terra nonive


Claudio bebeu um longo gole do líquido rubro e colocou a taça de lado. Seus olhos cinza refletiam o tom castanho-avermelhado da mesa de mogno à sua frente. O som do grupo ERA continuava no volume máximo.

Infanatoca
Si temi more regat
Efamima dove tore
Infata dio re
Infa lati plastire
           
Guardou sua Glock 32 na calça e puxou a fabulosa Präzisions-Scharfschützen-Gewehr para montar. Enquanto isso cantava o refrão da música que era um calmante naquele ritual pré-guerra.

Divano
Divano re
Divano blessi
Divano blessia

Olhou no espelho. Viu um homem belo de trinta anos, sem rugas e de expressão séria. Sorriu e viu os caninos prolongados, sinal de sua natureza vampírica. Se encarou por um tempo, sentindo o ódio aumentar. Estava pronto.
Desligou o som. Girou a maçaneta e saiu.
A Troller prata estacionada em frente a sua casa era seu veículo de caça. Dentro havia uma caixa com alguns pedaços de madeira. Estacas. Colocou o fuzil de precisão no banco do passageiro, deu partida e foi em frente.
A luz do farol do carro clareava as ruas escuras, já que a maioria dos postes de iluminação estava com as lâmpadas quebradas.
Enquanto Claudio dirigia, ele via as paredes das casas pichadas. Lembraças de tempos há muito passados vinham à sua mente, dilacerando seu ser.
Lucila.
O vampiro apertou firme o volante e piscou com força, jogando as recordações para fora. Meses de espionagem não poderiam ser deserdiçados. Durante toda a sua não-vida esperava, ansiava, desejava esse momento.
Claudio tinha ido à puta que o pariu e ainda mais longe em busca de vingança. Ah, vingança. Que sentimento avassalador. Destrói o espírito mas dá força extra para prosseguir no objetivo. O vampiro transbordava vingança, respirava vingança, alimentava-se de vingança...
A Troller ganhou velocidade na avenida pouco movimentada. Claudio observava os prédios e construções passando rapidamente; pareciam borrões de tinta na tela cinzenta que era o mundo atual.
O trânsito naquela hora fazia ruídos fracos, previsíveis e ligeiramente tranquilizadores.
O vampiro olhou para os muros de uma catedral e se lembrou, apesar do esforço em não pensar em sua vida antes de se tornar aquilo que era hoje, de sua adolecência. Costumava frequentar a igreja com sua avó. Todo domingo era sagrado, segundo sua antiga religião. Seus parentes e amigos achavam que ele era uma pessoa iluminada e bondosa. Às vezes até diziam que ele tinha um coração de ouro. Um verdadeiro servo de Deus. Na verdade, Claudio gostava tanto da igreja que quando saía com uma menina os dois iam até o fundo da catedral para poder ter relações, digamos, um tanto mais íntimas.
Claudio sorriu com a lembrança, mas depois voltou a si. Um monstro entre os homens. Um sanguessuga de pessoas. Um carrapato maldito que drena a vida. Jamais voltaria a ver o sol. Não teria amigos de verdade. Nunca encontraria o amor feito para ele. Estava condenado à infelicidade eterna.
Pele. Ossos. Carne. Odiava tudo o que seu corpo se tornou.
O vampiro acordava com o pôr-do-sol e detestava o que via no espelho. As lendas diziam que seres como ele não possuíam reflexo. Mentira. Antes fosse assim, pois dessa forma não precisaria ver-se amaldiçoado.
Não importava o quanto Claudio olhasse para tudo ao redor – infinidades de coisas para se fazer, a eternidade toda pela frente, o poder ilimitado –, nunca parecia haver a simplicidade humana em seu ser, e isso o consumia. Agora via o sentido de sua existência como se ele fosse um objeto feito para matar, nada mais do que isso.
Odiava-se, porém odiava mais ainda quem o tinha transformado naquilo.
A Troller virou à direita na esquina e foi diminuindo a velocidade aos poucos, até que parou completamente.
Claudio olhou em volta. Ninguém. A rua estava deserta. Abriu a porta do carro e desceu silenciosamente. O local era isolado da cidade; raramente havia movimento por lá. Pegou sua PSG-1 e colocou-a sob o sobretudo, precaução extra. Teve muito cuidado ao manusear as estacas.
Suas vestes pretas junto à sua habilidade sobre-humana de andar nas sombras, misturando-se à escuridão noturna, fez com que se tornasse invisível para qualquer um que porventura estivesse olhando.
Duas quadras à frente estava seu alvo: uma mansão rústica digna de Hollywood.
Apenas terrenos baldios cercavam a mansão. Claudio sabia que havia inúmeras câmeras de vigilância por todos os lados.
Respirou fundo. Não precisava de ar. Apenas o fez para se manter calmo e, também, para não perder o pouco de humanidade que ainda restava dentro dele.
A mansão era vigiada por uma guarita, na qual havia um guarda junto aos monitores que transmitiam imagens dos arredores. Claudio, auxiliado por seu poder vampírico, estava invisível. O vampiro aprontou-se para disparar no guarda. Colocou o silenciador na arma e fez a mira. Suspeitava que o vidro da guarita fosse blindado, mas tinha certeza de que não era uma blindagem capaz de suportar o poder de fogo de sua “princesinha”.
“Certo, rapaz. É agora ou nunca. Você pode fazê-lo”, pensou. Arrumou-se e ajustou a mira novamente. “Você consegue. Treinou muito para isso”.
Então puxou o gatilho e a arma disparou silenciosa. A bala acertou no meio da testa do guarda, fazendo um bom estrago em seu rosto.
O vampiro dirigiu-se rapidamente até a guarita. A porta que dava acesso ao terreno da mansão estava trancada. Sem problemas. Claudio fez uma pressão na porta, suficiente para arrombá-la. Entrou.
“Ok, primeiro passo concluído. Falta pouco. Paciência. Até agora tudo correu bem”.
O corpo do guarda estava caído no chão, uma poça de sangue já se formara. Claudio olhou para o cadáver. Sentia o doce aroma do sangue. A princípio teve pena do humano e ódio de si mesmo. Quantas vidas já havia tirado? Sentia-se o próprio ceifeiro cortando a linha da vida das pessoas. Esse sentimento não apagava as lembranças dos horrores que o haviam deformado. Cada êxtase maligno, cada novo poder com sua gratificação, tudo em troca de sua humanidade.
Mesmo tentando resistir aos instintos selvagens que caminhavam junto ao vampiro, Claudio sentiu a besta do mal se mexendo dentro dele ganhar força com tanta rapidez que sua mente correu para acompanhar seu passo e repudiá-la, mesmo enquanto ela começava a dominá-lo. Ele sabia o que era, algo tenebroso, e temia não conseguir controlar. O vampiro desejava o sangue que escorria. Desejava aquele líquido viscoso. Seu estômago estava queimando. O cheiro do sangue o atraía; ele desejava que fluísse para dentro de si. Sentir seu gosto, seu aroma, seu calor e seu poder.
“É para isso que eu existo?”, pensou. “É nisso que me transformei, e assim devo ser para sempre?”.
Claudio controlou-se com estoicismo e saiu da guarita. Viu-se dentro do quintal da mansão. Era enorme.
O vampiro não pôde ficar nem mais um segundo sentindo aquele cheiro acre que para ele era adocicado. Não olhou para trás. Teve que seguir em frente enquanto ainda respondia por si.
“O que são as pessoas para mim? Comida apenas?”
Olhou para o céu estrelado e sentiu-se pequeno no universo, porém sua dor era capaz de preencher todo o espaço que existia entre uma galáxia e outra.
Desviou os olhos para baixo, na direção da mansão. Até agora estava tudo certo. Imaginava que deveria haver outros seguranças rondando o quintal, mas ainda não tinha visto nenhum. Seguiu em frente; caso encontrasse alguém, pior para eles.
Caminhava escondido, invisível nas sombras. O ar noturno estava frio, mas não incomodava o vampiro. Houve um tempo em que um vento como esse teria feito os olhos dele lacrimejar e a boca rachar, mas isso não acontecia mais.
Claudio examinava cada janela da mansão enquanto procurava uma entrada segura. Após um minuto, viu um homem encostado na parede da mansão. Fazendo uma pequena pausa para se recuperar mentalmente, o vampiro traço seu próximo passo. Puxou a Glock 32, mas ainda estava muito longe para um tiro certeiro. Aproximou-se mais, cauteloso. O guarda nem imaginava o que se passava ao redor. Mais um pouco e... Estava em uma distância boa para atirar.
A arma também estava equipada com silenciador. O homem nem percebeu o que aconteceu e no segundo seguinte estava morto.
Claudio sorriu diabolicamente. Depois se arrependeu do ato. Não se reconhecia mais.
Antes que a tristeza voltasse a se abater sobre ele, decidiu ir de encontro ao destino. Não perderia mais tempo. Esgueirou-se por uma janela e andou silenciosamente em direção a uma porta.
Não tinha idéia de onde ir em seguida. Havia muitos cômodos que poderiam ser o covil secreto. Só precisava manter-se invisível até o momento do ataque. Não tinha pressa. Apesar de ansioso, durante um bom tempo ele havia treinado para dominar tal sentimento. Deveria ser cuidadoso, do contrário estaria perdido.
Olhou em diversos lugares, mas nada achou. Foi quando estava em uma sala ampla e muito bem decorada que escutou uma voz suave às suas costas.
- Bem-vindo ao meu lar. Estava te esperando.
Claudio sentiu um calafrio na nuca e virou-se assustado.
A mulher que estava ali parada era linda. Usava um belo vestido preto grudado a seu corpo escultural. Ela sorriu. Seus dentes eram incrivelmente brancos e sua boca maravilhosamente desenhada. Claudio não desviou o olhar quando ela passou a língua maliciosamente sobre o canino avantajado.
- É tarde demais para eu esconder minha surpresa, portanto admitirei meu choque. Pensei que estivesse invisível a seus olhos, cara Lucila.
A vampira sorriu novamente. Claudio sentiu um desconforto. Não sabia explicar o aperto em seu peito quando ficava diante da presença imponente de Lucila.
- Ah, doce Claudio! Você jamais poderá se esconder de mim. Se esquece de que fui eu quem o criou?
O vampiro endureceu-se. Ele não havia esquecido. Ao contrário, noite após noite remoía essa história em sua mente. Lembrava de cada detalhe daquela noite fatídica. Podia sentir seus dedos dos pés e suas mãos ficando frios, até não mais conseguir senti-los.
A recordação tornou-se real.

Claudio pensou que logo morreria. Ficava cada vez mais difícil manter seus olhos abertos. A criatura o havia encurralado em um emaranhado de arbustos espinhosos. Ele havia se arrastado através dos espinhos, cortando sua pele, para procurar um refúgio qualquer no qual pudesse se esconder, e agora um brilho pairava sobre a entrada do túnel farpado. Talvez o monstro estivesse esperando que ele saísse, ou mesmo, quem sabe, que ele morresse.
Não se lembrava de ter feito nada para enfurecer a mulher (isso se aquilo ainda pudesse ser chamado de mulher), mas agora ela queria seu sangue.
Ele podia ouvir os movimentos delicados da criatura através da floresta. Uma voz sedutora o chamava. Parte dele queria segui-la, de certo modo ele sentia que ela iria aquecê-lo novamente. Ela havia prometido dar-lhe poder e juventude eterna, tudo o que ele poderia querer. Mas outra parte, apegada aos dogmas mundanos, estava com medo. Emergir desse emaranhado de espinhos seria como andar sozinho tarde da noite no Capão Redondo, em São Paulo. Não se sabe o que aconteceria.
A mulher ainda estava vindo atrás dele. Além das muitas plantas desfolhadas, a criatura disse seu nome: “Claudio”. A palavra era distinta e perfeita como o som de uma canção.
Claudio prendeu a respiração. Sua cabeça girava com a confusão ao seu redor. Sua mente latejava. Havia perdido muito sangue quando a mulher o mordera.
Mulher? Não, aquilo era um monstro. Uma vampira.
Ele colocou sua testa ardente contra seus joelhos levantados e abraçou suas pernas. Sentia frio, mas ao mesmo tempo estava tão quente... como isso era possível?
A vampira aproximou-se mais.
- Claudio. – ela disse com urgência. Apesar de ter apenas sussurrado, sua voz era forte como o trovão, ainda que bela como o canto do canário.
O homem sentia sua vida se extinguindo. Podia sentir cada fração de energia escorrendo por seus poros. Esse era o fim de sua vida, e ele tinha uma escolha.
O que ele escolheria?
O frio da morte ou a promessa de poder feita por uma vampira?
Lentamente, como se tivesse todo o tempo do mundo, ele levantou a cabeça. Seus olhos começaram a embaçar. A vampira à sua frente possuía uma presença tão forte que nada mais ao redor tinha importância; ela era um ser tão alto e maravilhoso que as outras coisas tornavam-se banais.
Claudio conseguiu vê-la em seus pensamentos: uma linda mulher abaixando-se para ficar mais próxima dele, os cabelos escuros caindo para frente, olhos como pérolas-negras brilhantes.
Em seus pensamentos, Claudio lutava contra o poder sedutor da vampira. “Deixe-me morrer. Não quero ter minha alma amaldiçoada”, ele tentava dizer.
Como se a vampira pudesse ler seus pensamentos, Claudio ouviu a resposta dela direto em seu cérebro: “Você não perderá sua alma. Ela estará para sempre dentro de ti”.
O homem fez um esforço para afastar a voz em sua mente, mas era inútil. “Aproxime-se, doce Claudio, venha até mim. Não tenha medo. Te darei vida”.
Ele não queria morrer. Não ali, não agora. Ele poderia escapar, bastaria aceitar a oferta da vampira.
E ele aceitou.
Iria abraçar os termos da vampira e veria onde tudo acabaria.
Entorpecido de tal forma, Claudio mal conseguia se mover. Aos poucos, ele se ajeitou e arrastou-se em direção à vampira. Lentamente, suas mãos estenderam-se para ela, sinal de que havia se entregado.
- Meu nome é Lucila. – disse a vampira antes de enterrar seus caninos no pescoço do mortal.
Claudio sentiu cada gota de sangue deixando seu corpo, mas não havia dor nisso. De alguma forma inexplicável sentia prazer.
Lucila aproximava-se do clímax provocado pela absorção de sangue. Quando atingiu o orgasmo, rasgou o próprio pulso e deixou o sangue escorrer pela boca de Claudio.
Ele tomou o sangue e percebeu que logo iria se levantar com forças renovadas. Iria renascer. Faltava pouco. Podia ver claramente de novo, sua cabeça estava repleta de um som impetuoso. Sugou o sangue com força. A respiração deixou seu corpo e ele foi varrido para um lugar além do frio e do calor. Havia despertado para uma nova vida. Conheceria a mais longa noite... Descobriria a escuridão eterna!

Lágrimas de sangue escorriam pela face de Claudio.
- Por quê?
Lucila olhou para ele com curiosidade.
- Por que você fez isso comigo? – gritou o vampiro.
O olhar dela mudou de curiosidade para desprezo. Para ela não fazia sentido alguém não querer tornar-se imortal e desfrutar das vantagens de ser um vampiro.
- Foi por sua própria vontade. – ela respondeu sem alterar a voz. – Você escolheu esse caminho.
Ódio, tristeza, culpa, melancolia, uma confusão de sentimentos se mexia dentro de Claudio. Desde que se tornou vampiro não soube mais o que era paz. A cada noite ele travava uma guerra pessoal tentando descobrir um sentido para sua existência. Tudo o que conseguiu pensar era que deveria acabar com Lucila. Fora isso, nada mais importava.
A vampira percebeu a repentina mudança na expressão de Claudio e recuou um passo.
- Então você pretende me destruir? – perguntou ela sem conter uma risada de escárnio.
Claudio enxugou suas lágrimas rubras.
- Cale-se, maldita! Sua voz me causa nojo.
O vampiro puxou a PSG-1 e disparou. O tiro passou longe de Lucila. Claudio olhou incrédulo, pois tinha certeza de que havia mirado corretamente. Não tinha tempo para pensar nisso, então, sem demorar mais um segundo sequer, puxou o gatilho mais uma vez. E outra. E outra ainda.
Os três tiros erraram o alvo. A vampira movia-se rapidamente. Tão veloz que conseguia desviar das balas. Ela chegou perto de Claudio e desferiu um poderoso soco no queixo dele.
O vampiro voou alguns metros para trás até atingir uma parede. A violência do impacto foi tamanha que causou uma rachadura na estrutura.
Claudio cuspiu sangue e pedaços de dentes. Pegou a Glock 32, já que sua arma mais poderosa havia ficado para trás quando ele recebeu o golpe.
Antes de o vampiro levantar a arma, Lucila chutou sua mão, desarmando-o.
- Eu criei você. Não há como perder para ti.
Ela gargalhou. Não tinha intenção de destruí-lo, por enquanto. Preferia brincar com seus sentimentos.
- Você ainda é uma criança desobediente. Tem muito que aprender.
Lucila pisou na mão esquerda de Claudio. Ele segurou o grito. Aos poucos ela exercia mais pressão sobre o membro do vampiro.
- Posso acabar com você quando quiser. – sua voz era calma e sem sentimento.
Houve alguns estalos quando os ossos da mão de Claudio começaram a quebrar. O vampiro gritou.
- Ao invés de sua mão, eu poderia estar esmagando seu crânio, mas não o farei. Não ainda.
Ele tentava escapar, mas não conseguia. Usou sua força vampírica, porém a capacidade de Lucila ia além das suas.
 - Você chora por não mais poder ver o dia e se esquece da beleza da noite.
Ela pisou mais forte e começou a gritar com ele.
- Você chora por não ser mais humano e se esquece de que tem o poder de um deus.
A pressão que Lucila fez foi tamanha que pulverizou os ossos da mão de Claudio.
- As pessoas são alimentos. Depois de sugarmos seu sangue, elas tornam-se apenas carcaças. Lixo, nada além disso.
 Ela tinha a situação sob controle, mas Claudio não ia desistir. Cada palavra servia de estímulo para ele eliminar aquela criatura das trevas que se dizia acima dos humanos.
Imagens do que era sua vida antes de se tornar vampiro vieram à tona. Durante um breve momento, Claudio, tomado pelo ódio, olhou para sua inimiga. Ele usou toda a sua força de vontade para conseguir escapar daquela posição desfavorecida.
Lucila foi jogada para trás, enquanto o vampiro se levantava segurando a mão deformada. Um ferimento que iria sarar com o tempo.
- Então a criança rebelou-se. – disse a vampira assumindo posição de combate.
Os olhos de Claudio pela primeira vez ficaram vermelhos. Estava sedento de sangue. Queria extirpar o corpo da infeliz.
- Você vai pagar por todos os crimes que cometeu.
Usando a velocidade vampírica aumentada pela sua ira, Claudio conseguiu desferir inúmeros golpes na vampira, levando-a ao chão.
Com um rosnado, Lucila arrancou a mão do chão e tentou agarrar o pescoço de Cláudio. Ele esquivou-se com facilidade e chutou o rosto da vampira.
Os ruídos gorgolejantes que saíam da boca da mulher podiam ser tanto maldições quanto súplicas. De qualquer forma, Claudio os ignorou. Nunca mais queria ouvir a maldita voz de Lucila.
Ela se virou e ficou de joelhos, mas assim que terminou esse movimento Claudio chutou-lhe o rosto novamente. A vampira teve a face desfigurada; mal dava para ver seus olhos, que estavam com expressão de incredulidade e medo misturados.
Mesmo com uma das mãos inutilizada, o vampiro puxou uma das estacas e aproximou-se dela. Levantou a mão que estava intacta para dar o golpe.
 A estaca foi cravada no coração de Lucila, deixando-a paralisada.
Havia vencido.
Lucila caiu.
Ele olhou para o corpo no chão, enojado pelo estrago que ele havia feito no rosto da vampira.
O belo vestido escuro de Lucila estava rasgado lateralmente, de forma que um de seus seios estava à mostra. Delicioso, durinho, com a ponta do mamilo sobressaindo provocante.
Claudio olhou com desprezo para o corpo caído à sua frente. Apesar de toda a beleza da vampira, ele não se sentia atraído por ela. Não mais. Toda a maldade causada por ela finalmente teve fim.
Ajoelhou-se e passou a mão nos cabelos lisos de Lucila, tirando alguns fios que grudaram na boca. Em seguida beijou-a.
Ela não correspondeu. Não podia, estava paralisada em razão da estaca. Mas Claudio não se importava; ele gargalhou com vontade e depois mordeu o pescoço dela.
Tão doce e tão saboroso. O sangue de Lucila era único.
Deliciou-se com cada gota do líquido vital. Enfim teve prazer em fazê-lo.
Quando o sangue acabou, o vampiro sugou uma vez mais, usando toda a sua energia. A alma amaldiçoada da vampira deixou o corpo inerte dela e juntou-se ao poder de Claudio. O êxtase sublime.
O corpo de Lucila se desintegrou. Restaram apenas cinzas, que se espalhariam com o tempo.
- Você roubou minha alma. Agora eu roubei a sua.

A noite estava quase no fim. Depois de muito, Claudio finalmente havia conseguido o que queria, mas o vazio em seu interior não sumira. A infelicidade ainda permaneceria com ele por toda a eternidade. A menos que...
Andou pela casa e abriu as janelas que eram lacradas para evitar a luz solar. O sol só iria nascer dali uns minutos. Puxou uma cadeira para frente da janela. Usava apenas uma mão, já que a outra ainda não tinha recuperado as funções.
Ele chorava, mas dessa vez as lágrimas não continham sangue. De alguma forma misteriosa seu pranto era totalmente humano.
Ligou o som e sentou-se na cadeira.
Enfim o sofrimento iria terminar. Por fim a guerra contra si mesmo teria um desfecho.
Fechou os olhos enquanto atravessava uma estaca no próprio coração.
Logo o sol iria nascer e ele não teria como fugir.
Enquanto isso poderia ao menos escutar sua música.

Infanatoca...



Juliano Sasseron
Biografia: Juliano Sasseron é um engenheiro agrônomo bon vivant e, como tal, aprecia as obras da Natureza, cultiva harmonia e colhe amizade. Além da literatura, é fascinado também pela Sétima Arte, onde desenvolve alguns projetos. Com 18 anos, escreveu seu primeiro livro, Abençoado. Acredita que compor é uma boa ventura, uma paixão. Amante do sobrenatural, publicou Crianças da Noite (Novo Século, 2008) e participou como convidado especial de diversas antologias.

twitter: @JulianoSasseron







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