Conto - Rapunzel.






Do alto da torre do castelo, pela fresta da única janela a refém da feiticeira contemplava as ondas turbulentas que morriam no penhasco.

Há muito ela foi trancada lá, mas nunca perdeu as esperanças de reconquistar a liberdade. A décima filha de camponeses pobres fora entregue aos cuidados da bruxa quando ao completar doze anos de idade tornou-se um fardo para a sua família. Enquanto os irmãos menores já trabalhavam para trazer algum dinheiro, Rapunzel só pensava em escovar os longos cabelos e sonhar acordada diante da lasca de um espelho que trocara por um saco de arroz. Aquela atitude deixou seus pais enfurecidos, pois trabalharam duro para juntar os grãos que alimentariam a família por pelo menos uma semana.
Certo dia, a feiticeira do castelo viu a menina sentada debaixo de uma árvore conversando com o seu próprio reflexo. Muito curiosa ela perguntou:
--- Por que conversa com o espelho, menina?
--- Não tenho muitos amigos. – Ela respondeu.
--- Ah, entendi. E por não ter com quem conversar, fala consigo mesma?
--- Sim.
--- Rapunzel! – Interrompeu a voz grave de seu pai. – Com tantos afazeres, você fica aí papeando? Ah como eu gostaria de me livrar de você!
A feiticeira se angustiou pela grosseria do velho e imediatamente se ofereceu para levar Rapunzel para viver no castelo. O pai muito satisfeito livrou-se da filha imprestável naquele mesmo instante.
Nos primeiros dias Rapunzel sentia-se muito feliz, pois a bruxa a tratava maravilhosamente bem, mas com o passar dos meses a velha feiticeira percebeu que tinha arrumado sarna pra se coçar.
Rapunzel não queria ajudar nos serviços do castelo, vivia escovando os cabelos o dia todo e falando com aquele pedaço de espelho. Uma parasita é o que ela era e até que aprendesse a cooperar ficaria trancafiada na masmorra a pão e água.
Os anos passaram e Rapunzel jamais saíra da torre. Seus cabelos estavam tão longos que podia molhar as pontas na baía ao jogá-los pela janela.
Numa noite, enquanto olhava para o mar iluminado pelo reflexo da lua, avistou uma figura masculina emergindo da água turva.
Ele fez um sinal para que ela jogasse os cabelos e Rapunzel toda contente obedeceu aos comandos do homem que viera para lhe salvar. Ela pensou que o seu príncipe encantado subiria pelas longas madeixas, daria fim na bruxa e então os dois fugiriam para viverem felizes para sempre.
Ao invés disso, o cavalheiro se agarrou com força nos cabelos de Rapunzel e a puxou para baixo, onde a pobre despencou pelo abismo encontrando a água gélida do mar nebuloso.
O homem desapareceu como um espectro da noite e Rapunzel transformou-se em uma sereia.
A bruxa já havia se cansado de sustentar a moça preguiçosa e fez um feitiço para que tudo isso acontecesse.
Já que Rapunzel gostava de escovar os cabelos e de se olhar no espelho, que fosse viver no mar então. Não são estas as características das sereias?
Todas as noites a feiticeira escuta o canto triste vindo do mar. Uma vez por ano, coloca jóias e espelhos novos num barquinho o despachando pelas águas. Com certeza este mimo sai bem mais barato do que alimentar a vagabunda todos os dias.






Susy Ramone

Biografia: Susy Ramone é o pseudônimo de Susana Lima, nascida em São Paulo - Capital em 1977. Professora de inglês e escritora, teve a sua primeira publicação impressa intitulada O anjo maldito pela editora Livros Ilimitados em 2010 e um de seus contos será publicado na antologia Histórias Envenenadas da Editora Andross com lançamento previsto para agosto. Muitos de seus textos fantásticos podem ser encontrados no blog Red Rose: www.susyramone.blogspot.com







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