Conto - Rato Branco Kid.






“Não se atreva a morrer agora!”

O sol, impiedoso e sarcástico, queimava sem dó as costas de Johhny Wood, que suava como uma velha e gorda porca. “Levanta seu cretino. Só falta mais um pouco...”. Já haviam se passado horas e a única coisa viva que vira foi um lagarto do deserto que, como se tivesse zombando de sua má sorte, levantou a cauda e saiu em disparada pela areia quente.


“Coragem, Charlie! Levanta... levanta agora!”. Alguns abutres já rodeavam o alto de suas cabeças em grandes rodopios que lembravam um macabro balé.

“Charlie?”
“Charlie?!?”
“FILHO DA PUTA!!!”

Johnny Wood era um caipira do Arizona que nunca teve nada na vida a não ser azar. E isso ele tinha de sobra. Há alguns dias atrás conseguiu roubar uma diligência que partira de Saltland para o correio de Small Party City. Não possuíam muita coisa, mas já era o suficiente para se viver bem e tudo isso poderia ter terminado por aqui se não fosse a presença de um velho amigo de Johnny. O azar.

No momento da fuga, “Rato Branco Kid” (como foi apelidado nos salloons de Smal Party City) cavalgou para o deserto ciente de que desencorajaria os rangers em sua perseguição e nele estava até hoje.

“Cavalo miserável!” – resmungou enquanto chutava as patas traseiras do velho e suado Charlie, que já era disputado pelos “coveiros do céu”.

Por dias o sedento Johnny caminhou sob o sol incandescente carregando aquela valise repleta de ouro e que de nada serviria se estivesse morto. O frescor da noite estava chegando novamente, mas a areia ainda fritava seus pés onde as botas haviam furado. O velho “Rato Branco Kid” parecia um rascunho do que fora. Estava magro e um pouco arroxeado.

“Diabos. Eu daria metad... um quarto do ouro que tenho por um bom caneco de água fresca.” – reclamava enquanto cuspia uma substância espumosa que vagamente lembrava saliva. Quando a noite chegou Johnny já estava desmaiado. Se estivesse consciente, teria gritado ao notar a cascavel que passeava por entre suas pernas. De repente, acordou num sobressalto. Ouvira música... tinha certeza disto.

Caminhou trôpego como um zumbi, seguindo a direção de onde vinha àquela música que chegava clara aos seus ouvidos e qual não foi a sua surpresa ao se deparar com uma pequena cidade, iluminada apenas por empoeirados lampiões a querosene.

“Ahá! Eu sabia... Eu sabia que sabia!!!”

Caminhando pelas ruas povoadas somente pelas risadas e pela música alta, Johnny “Rato Branco Kid” entrou em um salloon iluminado e barulhento. Dentro do bar, o pianista tocava sem parar uma música estranha, mas contagiante enquanto as dançarinas de can-can levantavam suas pernas tão alto que “pareciam ter dobradiças entre as pernas, as desgraçadas”. Há quanto tempo Johnny não se deitava com uma potranca daquelas...

No balcão, um homem gordo e careca, com bigodes tão finos quanto os de uma barata, lhe serviu uma caneca de cerveja. Espumante e dourada cerveja. Johnny bebeu tudo num só gole e sentiu um gosto estranho, mas e daí? Além de ser a única coisa líquida que bebera sem ser o sumo dos cactus era de graça.

Alguns homens jogavam pôquer na mesa ao lado do balcão e o refeito Johnny Wood resolveu investir em uma das dançarinas, que o aceitou sem rodeios. Wood dançou por um bom tempo, sentindo as mãos macias e estranhamente frias da “donzela”. Mas não era só isso que sentia... Por acaso aquilo que os jogadores estavam apostando não eram olhos? A música continuava alta e hipnótica e a meretriz rodopiava Johnny como a um pião.

De repente, a razão (uma visitante não muito freqüente) brilhou nos olhos do fugitivo, que se sobressaltou. “Eu sabia... Eu sabia que sabia!!!” –exclamou. “Aquela coisa na caneca não parecia cerveja. Parecia.... parecia SANGUE!!! E aquilo que acabava de cair no balcão não era a orelha do barman?”

Somente então Johnny percebeu onde realmente se metera. O pianista já não tocava tão bem quanto antes, talvez pelo fato da carne putrefata dos seus dedos estarem se enroscando nas teclas sujas do piano. O seu rosto descarnado então o observava, com aqueles olhos vazios de defunto, e continuava a tocar.

Os jogadores agora apostavam dedos e orelhas enquanto o barman era nada mais que um amontoado de carne disforme que, com tentáculos gosmentos servia as dançarinas, corpos descaveirados e cobertos com vestidos podres e empoeirados. Antes de desmaiar, Johnny ainda sentiu o cheiro da morte que provinha daquela caveira de cabelos loiros que dançara com ele a noite toda. Gritou.

Gritou tão alto que se pudesse o sol que nascia correia de susto, ao invés de observá-lo do alto. Então, como um cavalo doido, saiu em disparada para o deserto, gritando feito um coiote e se livrando de um inconveniente presente que achara dentro de suas calças. Uma mão descarnada de mulher.

Encontraram-no ao entardecer, semi-inconsciente e balbuciando algo incompreensível. Bem, quanto ao dinheiro ele ainda continua por lá. Cada barra de ouro. Brilhantes e pesados sonhos de consumo... Caso seja do seu interesse procurar pelo tesouro no deserto, basta procurar pelos bares da cidade o “Rato Branco Kid” (agora branco mesmo!!!) e peça para que ele te mostre o caminho embora eu duvide que ele o faça.



Iam Godoy

Biografia: Iam Godoy é desenhista, contista e redator do e-zine Fun House Xtreme.

Juntamente com R. Raven fundou o projeto Ravens House Brasil, que visa a
divulgação de trabalhos alternativos do underground em geral. Edita o portal Gore Boulevard além de assinar a coluna Sangria, do site Estronho.










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