Conto - Bater de Asas.

contos de terror

Bater de Asas

Era possível ouvir o bater de suas asas. Porém não consigo descrever aqui, somente com palavras. Era, naturalmente, como o bater de asas de qualquer pássaro comum, mas você já ouviu o bater de asas de um pássaro? Eu nunca tinha ouvido, ou, pelo menos, nunca tinha prestado atenção. Até hoje pela manhã.


Fui acordada por um barulho diferente. A impressão era que algo voava baixo, mas estava silencioso demais para ser um avião. Parecia mesmo um bater de asas. Não sabia o que era, e não conseguia imaginar o que poderia ser. Por isso levantei da cama e fui até a janela.

Eram pouco mais de 7 horas da manhã. O dia estava nublado, e os raios do sol tentavam passar pelas poucas frestas que encontravam entre as nuvens. Olhei para a rua principal, e percebi que praticamente todos os meus vizinhos estavam acordados, em suas janelas, com seus pijamas e suas caras amassadas, assim como eu.  Todos olhavam para cima, e percebi que o barulho vinha do céu.

Quando fiz o mesmo que todos, e ergui minha cabeça, encostando-a no vidro da janela, senti subitamente minhas pernas bambolearem. Um pássaro voava pelo céu, mas não era um pássaro comum. Era um pássaro imenso, e não consigo sequer mensurar seu tamanho, pois sempre fui péssima em projeções matemáticas. Mas posso lhes dizer que um Boeing não cobriria um pequeno pedaço de uma de suas asas.

Ele voava de um lado para o outro sem emitir nenhum som; nada além do bater de suas asas. Parecia passear, e estava sozinho. E eu, assim como todos, fiquei estaqueada, paralisada, chocada, olhando aquele pássaro enorme, sem saber o que fazer, sem saber o que pensar.

Não sei por que, mas achei que ligar a TV seria uma boa ideia.

O que vi na tela da televisão era exatamente o que eu via no céu, ali fora. Um pássaro gigante e silencioso voando pacificamente. Porém, na imagem da televisão, havia dois pássaros. Corri de volta para a janela e constatei: o pássaro continuava a voar, de um lado para o outro, sozinho. Voltei para a televisão, e rapidamente descobri que a imagem que passava havia sido gravada em Tóquio, no Japão, hoje pela manhã.

Logo fico sabendo que pássaros gigantes foram vistos sobrevoando o céu africano, americano, asiático, europeu. Dezenas, talvez centenas de pássaros gigantes voavam silenciosamente pelos céus de todo o mundo neste exato momento.

E, tal e qual eu e meus vizinhos, as autoridades também não sabiam o que fazer. Nada parecido havia sido registrado antes, e nunca se soube da existência de pássaros daquele tamanho, em lugar algum.

Os aeroportos estavam um caos. Milhares de voos foram cancelados, e outros milhares precisaram pousar depressa. Muitos ainda voavam. Milagrosamente, nenhum acidente, nenhuma morte, nada havia acontecido até então.

Os pássaros gigantes pareciam pacatos.

Apesar disso, a desordem começava a se instaurar.

Não sabemos o que eles querem, e esta incerteza é desesperadora.

Seja lá o que eles pretendam fazer, sem nenhuma dúvida conseguirão. São muito grandes, muito, muito grandes; não existe nenhuma chance pra nós.

Agora são quase duas horas da tarde, e eu continuo em casa, olhando para o céu. Outros três pássaros chegaram, e neste momento são quatro sobrevoando nossas cabeças.

Começo a torcer para que algo aconteça. Qualquer coisa. A perspectiva da tragédia é pior do que a tragédia em si. E nada pode ser mais angustiante do que ficar aqui, apenas esperando.

Esperando e ouvindo o bater de suas asas.


O sinistro bater de suas asas.

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Jana Lauxen

Biografia

Jana Lauxen tem 31 anos, é editora, produtora cultural e escritora, autora dos livros Uma Carta por Benjamin (2009), O Túmulo do Ladrão (2013) e O Duplo da Terra. Já publicou em mais de quinze coletâneas, e organizou dez, algumas em parceria com outros escritores. Atualmente trabalha na Editora Os Dez Melhores.


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