Conto - Lua Cheia.

contos de terror

Conto Lua Cheia

A chuva começava a aumentar. Os passos apressados deixavam para trás folhas pisoteadas e marcas profundas na lama. Um raio cortou o céu e o estrondo do trovão fez o rapaz de quase dois metros de altura estremecer. Um arrepio sinistro percorreu seu corpo. O ritmo da corrida acelerou.


O jovem olhava em todas as direções, enquanto tentava evitar a colisão com alguma árvore. Não havia ninguém próximo, mas seu sexto sentido fazia com que tivesse a certeza de não estar sozinho. O medo que, muitas vezes exercia o efeito paralisante nas pessoas, naquele caso fazia com que ele prosseguisse, impedindo que o rapaz parasse para procurar seus amigos, ou sequer que viesse a chamar por eles. Seguia em silêncio, apenas o som da respiração pesada misturava-se ao barulho das folhas pisadas. Era difícil descobrir se era pior ficar sozinho ou chamar a atenção da presença maligna que ele sentia.

A salvação estava ao norte, e para lá ele se dirigia. Uma vez a salvo, poderia se preocupar com o bem-estar daqueles que o haviam acompanhado naquela obscura viagem. Um novo raio cortou o horizonte. Ele tinha certeza de ter visto um vulto à sua frente. Por um instante, titubeou e parou.

– Caras, vocês estão aí? – O rapaz suava frio.

Um novo arrepio percorreu sua coluna.

– Caras, está tudo bem?

As grossas gotas de água batiam nas folhas, quase fazendo com que ele ficasse em transe. Sentindo novamente a presença maligna, o jovem recuou. Uma pequena névoa se formou à sua frente. O barulho das folhas sob seus pés ecoava pela noite fria. O som das folhas trituradas parecia penetrar em sua alma. Foi quando o jovem percebeu que, na verdade, ele já estava parado há alguns segundos e seus pés começavam a afundar num pequeno pântano.

– Caras?

Um grunhido baixo soou em seu ouvido e uma dor lancinante percorreu seu ser, fazendo com que seu corpo, não suportando a sensação, desligasse, deixando-o em completo estado de choque. Numa fração de segundos, seus braços desprenderam-se das juntas, arrancados com uma violência sem igual. Antes que pudesse perceber, seus joelhos estavam partidos e suas vísceras espalhadas pelo chão.

O efeito do ataque foi tão sobrenatural que, durante instantes eternos, seu corpo não compreendeu que deveria entrar em falência e permaneceu vivo. Com os olhos arregalados ele viu a fera coberta de pelos consumir a sua carne. Uma lágrima solitária escorreu por seu rosto. Seu coração deu a última batida em câmera lenta e seu corpo despedaçado uniu-se ao solo lamacento.

***
           
Do alto de uma árvore o ser sobrenatural observava sua presa. Apenas um garoto, não devia ter mais do que dezessete anos. Baixo, porém musculoso. O garoto, diferentemente do seu amigo, não corria, mas caminhava com passos firmes. A pouca idade não comprometia sua autoconfiança. Tinha certeza de que aquilo tudo não passava de uma grande bobagem. Seu irmão mais velho junto com seus dois amigos certamente o haviam abandonado para que ficasse assustado. Definitivamente, não daria o gostinho a eles.

Seus cabelos compridos estavam escorridos sobre os ombros. Seus passos, ainda firmes, tornavam-se mais vagarosos devido ao acúmulo de barro nas solas dos tênis de marca, definitivamente bons para impressionar os outros, mas nada úteis naquele ambiente.

As folhas de uma árvore de copa densa farfalharam e dançaram na escuridão, amenizada apenas pela brilhante lua cheia que pendia no firmamento. O garoto estacou e contraiu todos os músculos de seu corpo, fazendo com que uma pequena quantidade de urina, a qual ele já segurava há algum tempo, lhe escapasse.

– Seus merdinhas, isso não tem graça nenhuma! – Ele gritou, visivelmente irado com o acidente provocado pelo susto. – Melhor vocês se mandarem, pois se aparecerem na minha frente agora eu vou...

Sua frase foi interrompida por um violento puxão em seus cabelos. O rapaz caiu para trás e encarou olhos vermelhos e brilhantes que o fitavam com curiosidade e excitação. Ele cerrou seus olhos com força e gemeu alto quando finalmente seu esfíncter e sua uretra não conseguiram mais conter as fezes e a urina.

– Seus filhos da...

Os olhos abertos, arregalados, vidrados e a boca escancarada encararam a lua pela última vez. O líquido escarlate jorrou com força à medida que seu coração bombeava acelerado, procurando distribuir por seu corpo a adrenalina despejada no sangue. Era tarde demais.

A criatura sobrenatural entrava em êxtase à medida que sorvia mais e mais o sangue de sua vítima. Nem mesmo o odor das fezes atrapalharia o seu momento. Um ser bestial apareceu e observou com curiosidade a cena por alguns instantes. Aproximando-se, parou ao ser advertido:

– Você está chegando perto demais!

– O que pensa que está fazendo? Eu os vi primeiro, eu os dispersei pela mata.

– Quero apenas o sangue. Você pode ficar com a carne, quando eu terminar. – Ouviu a resposta proferida com frieza.

– Já discutimos sobre isso antes. – A fera urrou. – Você sabe muito bem que a carne sem o sangue perde muito de seu sabor.

– Eram quatro e ainda restam dois. Tem mais um para cada, é apenas justo. – O sujeito extremamente pálido parava de sorver o líquido quente apenas pelo tempo suficiente para responder ao seu interlocutor.

– Não entendo porque você sempre tem que inventar essa competição. – A fera bufou.

– É sempre mais divertido assim. – A última frase veio acompanhada de um sorriso irônico.

– Está bem, mas o gordinho é meu! – A fera se retirou.

Não se passou mais de vinte minutos até que os últimos ruídos de passos apressados cessassem. Logo os animais noturnos, que haviam se agitado com a movimentação, voltaram a se acalmar. Apenas o som dos grilos e sapos voltou a ser ouvido. Os próximos aventureiros estariam seguros...

Pelo menos até a próxima noite de lua cheia.

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César Costa

Biografia

César Rodrigo Mendonça da Costa nasceu em 14 de Dezembro de 1980, na cidade de Resende-RJ, onde vive atualmente com a esposa e seus dois filhos. Bacharel em Sistemas de Informação, flerta com a escrita desde a adolescência, compondo músicas, escrevendo contos, poemas e outras histórias que vão da fantasia ao romance policial. Vencedor do Concurso de Novelas Históricas/ Bahia-2012, com o livro "2 de Julho - Uma História de Liberdade", além desse, é também autor dos livros “O Guerreiro de Aukazland”, "O Sequestro", "Lado A e Lado B - Retalhos de Uma História de Amor", "Estocolmo, Segredos de Uma Vida" e "Os Casos Ocultos de Sherlock Holmes". Participa das coletâneas: Em Contos de Amor, com o conto "Face a Face" Com o Amor, A Morte do Outro Lado da Luneta, com o conto "A Emboscada", Do Céu ao Inferno, com o conto "O Filho da Serpente", Os Matadores Mais Cruéis Que Conheci II, com o conto "A Testemunha", Antologia Tupãense, com o conto "O Contrato", Nova Literatura Brasileira, com o poema "Pensamentos Sobre Um Amor" e do Microcontos de Humor IV, com o microconto "A Primeira Vez". Tem na leitura e em séries televisivas o seu hobby.
Além do prêmio de Novelas Históricas, recebeu o prêmio Macedo Miranda/2013 como destaque na área de literatura e foi um dos vencedores do II Concurso Nacional de Literatura Infanto-juvenil de Ponta Grossa com a história "Em Busca do Patinete Perdido".


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